quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Congresso desafia o STF ao decidir votar 3 mil vetos de uma única vez

José Sarney (PMDB-AP), presidente do Senado e do Congresso, ironizou o estado do Rio (produtor de petróleo), cujo santo padroeiro é São Sebastião, e deu a deixa para os congressistas manobrarem pela derrubada do veto

Medida foi tomada para burlar liminar do Supremo que suspendeu a votação da redistribuição dos royalties do petróleo. Sessão do Legislativo está marcada para hoje

Fonte: Gazeta do Povo / Das agências
A crise entre parlamentares e o Supremo Tribunal Federal (STF), após a corte ter decidido cassar os três deputados condenados no processo do mensalão, acirrou-se ontem. O Congresso foi rápido em dar um troco. E a resposta veio sobre a decisão do ministro Luiz Fux, do STF, que suspendeu na segunda-feira, liminarmente, a votação dos vetos da presidente Dilma Rousseff ao projeto de redistribuição dos royalties do petróleo, marcada para ontem. Fux entendeu que não havia urgência na votação, pois há outros 3.060 vetos à espera de apreciação desde 2000. Os congressistas, então, decidiram que irão votar hoje todos os vetos em bloco, com exceção do referente aos royalties – que deve ser apreciado nesta quarta-feira de forma isolada.
A tendência é que todos os vetos sejam mantidos e o do petróleo, derrubado. Com isso, estados e municípios não produtores passariam receber a royalties da exploração de campos de petróleo já em operação, que hoje ficam apenas com os produtores. A votação dos vetos ocorre em sessão conjunta do Congresso (com deputados e senadores).
Reação
Ministro do Supremo defende decisão de Fux
Folhapress
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello saiu em defesa ontem da decisão do colega Luiz Fux que suspendeu a urgência aprovada pelo Congresso para apreciar os vetos presidenciais sobre uma nova forma de distribuição dos royalties em contratos em andamento.
Sem citar nomes, Marco Aurélio criticou a articulação das bancadas dos estados não produtores para colocar o veto em votação. “É terra sem lei? Será que a maioria pode de uma hora para outra rasgar até mesmo o regimento? Ela ganha no voto. É algo diferente. Agora, não tem virtude em cima do caso concreto para mudar a regra do jogo”, disse o ministro.
Marco Aurélio disse que é possível um recurso ao próprio Supremo para reverter a suspensão, mas que “o tempo talvez não seja satisfatório”, já que o recesso do tribunal começa na quinta-feira e as atividades só retomam em fevereiro.
O ministro Ricardo Lewandowski evitou analisar o caso, mas afirmou que essa decisão pode ser revisada por Fux ou pelo plenário. “Vamos aguardar o eventual embargo”, disse. “Essa questão deve ser examinada pelo plenário. O juiz que proferiu a decisão monocrática pode exercer o juízo de retratação, reformando total ou parcialmente a sua decisão. Ou então, poderá levar a plenário”, afirmou.
Código Florestal
O veto ao Código Florestal deve ser um dos que será mantido para que o dos royalties do petróleo seja derrubado.

À exceção dos deputados do PT, todos os demais líderes partidários da Câmara e do Senado apresentaram ontem requerimento para que sejam votados todos 3.060 vetos presidenciais nesta quarta-feira. As lideranças petistas são contrárias justamente porque a derrubada do veto de Dilma seria uma derrota legislativa da presidente.
“Se eu obtiver o amparo dos líderes, eu convoco a sessão e faço a votação”, disse o presidente do Senado e do Congresso, José Sarney (PMDB-AP), logo depois de ser procurado por lideranças das duas Casas. Foi iniciada então a coleta de assinatura dos líderes. A lista do Senado ficou pronta no início da tarde. A da Câmara demorou um pouco diante da recusa do PT em assiná-la.
Enquanto os partidos providenciavam as assinaturas, Sarney nomeou cinco senadores para uma comissão especial destinada especificamente a dar um parecer sobre os vetos. O presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), fez o mesmo, e nomeou cinco deputados. Nenhum dos escolhidos pertence aos estados que defendem a manutenção dos vetos – Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo.
Ao mesmo tempo, o Senado apresentou um recurso ao STF para tentar derrubar a decisão de Fux. Na reunião com Sarney, foi dito que Fux é do Rio, estado favorável à manutenção do veto. “Estou que nem São Sebastião, só levando flechadas”, ironizou Sarney (o santo é o padroeiro do Rio).
No recurso, os advogados do Senado sustentaram que a decisão de Fux tem “efeitos devastadores” sobre o funcionamento do Congresso e das instituições republicanas. A decisão de decretar a urgência da votação do veto dos royalties foi tomada pelo Congresso na semana passada. Esse tipo de decisão – decretação de urgência de determinadas matérias – é corriqueira no parlamento.
“Cobiça” pelos royalties causa uma união incomum entre parlamentares
Daniela Neves
A divisão dos royalties do petróleo gerou uma incomum união no Congresso Nacional que ultrapassa as correlações de forças entre governistas e oposicionistas, ou entre os poderes Legislativo e Executivo. Os interesses dos estados não produtores de petróleo fizeram com que deputados e senadores deixassem de lado alguns posicionamentos históricos.
É o caso dos ruralistas, que aparentemente desistiram de tentar a derrubada do veto da presidente Dilma Rousseff no Código Florestal para que seus estados e municípios possam receber mais recursos do petróleo. Na articulação feita no Congresso, todos os 3.060 vetos que serão votados em bloco devem ser mantidos – inclusive os do Código Florestal. Apenas o dos royalties será derrubado.
O cientista político Fa­­brício Tomio, professor da Universidade Federal do Paraná, diz que a maior parte dos vetos que serão analisados em bloco não fazem muita diferença para as bancadas, como os que barram trechos de leis orçamentárias de anos anteriores. “Nessas últimas legislaturas, o que tem ocorrido é a não apreciação dos vetos presidenciais. Ou não são colocados em votação em função dos interesses da bancada governista, ou as lideranças rejeitam a apreciação”, diz Tomio. A lei dos royalties ultrapassou essa lógica em nome de um interesse da maioria.
A decisão tomada pelo ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, também criou tensão no Congresso, forçando a estratégia de dar uma “volta” na liminar, concedida a pedido de parlamentares de estados produtores. “Fux se manifestou dizendo que não é mais uma questão de política legislativa escolher a pauta – ou seja, apreciar o veto em qualquer ordem. Muitas vezes alguns vetos ficavam guardados para quando os parlamentares precisam de uma arma para negociar com o governo. A decisão de Fux fez com que o Congresso se manifestasse dessa forma, nem que para isso precise manter todos os vetos anteriores”, diz Tomio.
Com essa estratégia, tais vetos serão analisados sem o conhecimento integral, ou muito menos discussão. Isso encerrará discussões que antes era intermináveis. É o caso dos vetos ao Código Florestal, como a recomposição de matas ciliares, tema sobre o qual não havia maneira de se conquistar consenso.

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